Uma das maiores demandas que existe hoje na Justiça Federal em todo o país diz respeito às ações revisionais de financiamento imobiliários no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação.
Os mutuários, signatários destes contratos, buscam o amparo judicial com objetivos diversos uma vez que o SFH desde a sua criação em 1964 tem sido causa de inúmeras divergências. O presente artigo tem por objetivo expor de forma sucinta alguns dos principais questionamentos posto em juízo e que necessitam de uma análise pericial contábil cuidadosa por profissional habilitado para tal.
Breve Histórico
O Sistema Financeiro de Habitação foi criado em 21 de agosto do ano de 1964 na gestão do Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco através da Lei n ͦ 4.380. Conforme se extrai da citada lei em seu artigo primeiro, o principal objetivo quando da criação do SFH foi “estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda”. O principal aliado e instrumento do governo na implantação deste sistema era o Banco Nacional de Habitação que foi extinto em 1986.
O cenário previsto para a implantação do SFH era de estabilidade financeira e crescimento econômico. Estava pautado em premissas tais como:
Portanto um cenário perfeito. No entanto, o que estava previsto na teoria não se confirmou na prática. A própria lei que instituiu o SFH já trazia, em seu texto original, dispositivos que limitavam os reajustes das prestações, gerando assim possíveis saldos residuais ao fim do contrato como adiante explicaremos.
Aliado a esta limitação, o cenário econômico que sucedeu a criação do SFH, mais especificamente a partir da década de 80, contribuiu diretamente para o desequilíbrio do Sistema.
A Criação do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS e do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional – PES/CP.
O Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS foi criado em 1967 com a Resolução nº 25 do Conselho de Administração do Banco Nacional da Habitação ‐ BNH. Possuía o objetivo de liquidar eventuais saldos residuais decorrente da diferença entre os índices de atualização do saldo devedor e os índices de atualização da prestação. Quando da sua criação e até o inicio da década de 80 o FCVS ainda não constituía um dos maiores problemas do SFH.
A ideia deste fundo era assegurar que os agentes financiadores tivessem a garantia de receber a totalidade de seus créditos em decorrência das limitações estabelecidas para os reajustes das prestações. Ao estabelecer limites para os reajustes das prestações e sendo o saldo devedor reajustado por um índice maior do que o da prestação, é natural que ao final do prazo estabelecido para o financiamento ainda houvesse resíduo ou saldo a ser pago. Daí a necessidade de um fundo que iria quitar o dito saldo residual.
Foi a partir da década de 80 que o FCVS passou a se tornar um grande problema do SFH isto porque com a grande instabilidade econômica que se iniciou a partir deste período e com os subsídios que o Governo Federal passou a conceder, o FCVS passou a ter uma responsabilidade cada vez maior e incompatível com a capacidade que realmente possuía.
Com a crescente instabilidade econômica e com a alta da inflação o índice de inadimplência passou também a crescer e diante desta nova realidade o Governo Federal passou a conceder aos mutuários subsídios no sentido de flexibilizar as cláusulas contratuais inicialmente pactuadas como se viu com a instituição do Decreto Lei 2.164/84 que criou uma nova versão do Plano de Equivalência Salarial como critério de reajuste das prestações passando então a ser vinculado à categoria profissional do mutuário.
O plano de equivalência salarial por categoria profissional PES/CP estabelecia que as prestações fossem reajustadas com o mesmo percentual e a mesma periodicidade do aumento da categoria profissional do mutuário.
Com os reajustes das prestações limitadas ao percentual de aumento de cada categoria profissional, enquanto o saldo devedor era reajustados por índices diferentes, a tendência era de que os saldos residuais fossem maiores e consequentemente a dívida do FCVS também aumentasse.
Em novembro 1986 com o Decreto Lei 2.291 foi extinto o Banco Nacional da Habitação “presenteando” a Caixa Econômica Federal, que passou a suceder o BNH em todos os direitos e obrigações, com um passivo gingantesco.
Alguns Questionamentos em Ações Judiciais
Saldo Residual e a Amortização Negativa
A moeda, assim como qualquer outro ativo, não possui um valor único ao longo do tempo. É natural que por consequência da realidade econômica, determinado ativo se valorize ou se desvalorize. É por esta razão que determinado valor contratado em uma determinada data também se valoriza em um cenário econômico de deflação ou se desvaloriza em um cenário econômico de inflação que é o mais comum. Portanto, não se está aumentando ou diminuindo o valor inicialmente contratado, mas apenas atualizando conforme a realidade econômica. Para esta atualização, utilizamo-nos da aplicação de índices monetários previamente acordados em contratos com o objetivo de manter o equilíbrio e a segurança no cumprimento dos mesmos.
Em um financiamento de longo prazo, para manter o equilíbrio e a situação inicialmente contratada, independente do sistema de amortização, é necessário atualizar tanto as prestações quanto o saldo devedor. Como matemática é uma ciência exata, para que este equilíbrio seja mantido é necessário que seja aplicado o mesmo índice de atualização tanto para as prestações quanto para o saldo devedor.
No âmbito dos financiamentos imobiliários inseridos no Sistema Financeiro de Habitação e que tinham previsão para reajustes das prestações a partir do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional, as prestações eram atualizadas em função dos reajustes salariais da categoria do mutuário enquanto o saldo devedor era atualizado por outro índice. Mas não existia diferença apenas entre os índices. A periodicidade de reajustes também era diferente. Enquanto o saldo devedor era reajustado mensalmente, as prestações tinham reajustes, geralmente, anuais.
Em razão da falta de existência de regras claras e concretas à época, houve também contratos que mesmo sem adotar o PES/CP possuíam índices de reajustes das prestações diferentes dos índices de reajustes dos saldos devedores.
A sistemática de atualização das prestações com índice de atualização diferente do índice de atualização do saldo devedor pode ocasionar inconsistências ao longo da evolução do financiamento uma vez que, a depender da relação entre tais índices, o financiamento contratado poderá ser quitado em período muito inferior ao previsto inicialmente ou, ao contrário e o mais comum, poderá ultrapassar o prazo de quitação previsto inicialmente em virtude da amortização negativa. Desta forma, podemos ter as seguintes situações:
O Perito Contábil da área financeira deve se atentar ao fato de que não cabe ao expert dizer se é valido ou não a existência do saldo residual, pois este julgamento trata-se de matéria de direito e que não cabe ao perito adentrar.
Em perícias desta natureza cabe ao perito analisar atentamente o contrato e evoluir a dívida do mutuário conforme o que foi estipulado contratualmente e em consonância com a legislação correlata corrigindo as distorções quando estas existirem a exemplo da capitalização dos juros quando da ocorrência da amortização negativa.
É aconselhável ainda ao perito, apenas com o objetivo de fornecer suporte ao julgamento dos magistrados, criar planilhas contendo a evolução do financiamento aplicando os mesmos índices para reajustes tanto das prestações quanto do saldo devedor visto que do ponto de vista técnico/matemático este é o procedimento correto.
Reajuste das prestações com base no PES/CP
Conforme já dito anteriormente, o Decreto Lei 2.164/84 instituiu o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional. Nos contratos em que constam a cláusula relativa ao PES/CP as prestações devem ser reajustadas, portanto, de acordo os índices de reajustes da categoria profissional do mutuário. Nestes casos, caberá ao perito identificar os índices aplicados pela instituição financeira para reajustes das prestações e compara-los com os índices de reajustes salariais da categoria profissional. Se houver divergência deverá o expert reconstruir a evolução do financiamento aplicando os índices de reajustes da categoria profissional.
Para identificar os índices da categoria profissional poderá o perito analisar diretamente os contracheques do mutuário ou uma declaração do sindicato profissional contendo os históricos de reajustes salariais da categoria. Para isso poderá o perito realizar diligências nos termos do artigo 473, IV, § 3º do CPC/2015.
Juros acima do limite de 10% ao ano ou de 12% ao ano a partir de julho de 1993.
O principal objetivo do SFH quando de sua criação era estimular a aquisição da casa própria. Não tem, portanto o objetivo de obter lucro mas antes disso promover à moradia. Por esta razão os juros quando da criação do SFH estavam limitados a taxa de 10% a.a. A partir da Lei 8.692/93 os juros dentro do SFH passou a ser limitado a 12% ao ano.
Caberá ao perito identificar se a taxa aplicada obedeceu aos limites legais previstos. É comum muitos advogados procurar um escritório de contabilidade que verifique este parâmetro.
Atualização do saldo devedor antes da amortização.
Outro ponto que gerou debates no âmbito do SFH, mas que já se encontra pacificado por meio da Súmula 450 do STJ diz respeito a atualização do saldo devedor antes ou depois da amortização da dívida.
De acordo o entendimento sumulado nos financiamentos inseridos no SFH a atualização do saldo devedor antecede a sua amortização pelo pagamento da prestação. Neste sentido, na construção de seus cálculos, deverá o perito primeiro atualizar o saldo devedor com índice de correção do período para depois a amortizar a dívida.
Conclusão
O Sistema Financeiro de Habitação desde a sua criação constitui uma fonte de intermináveis discussões. Parte de toda esta celeuma tem como causa as sucessivas alterações legais e infralegais bem como o difícil cenário econômico que o país enfrentou a partir da década de 80.
Buscamos neste trabalho tratar apenas de alguns questionamentos posto em juízo a cerca dos financiamentos inseridos no SFH.
Sempre ciente de que não cabe ao perito opinar a cerca de matéria jurídica, caberá a este profissional analisar cuidadosa e criteriosamente cada caso de forma individualizada e realizar o seu trabalho em estrita conformidade com: